
Renata Sorrah e Lima Duarte eram os protagonistas da trama 'Pedra sobre Pedra', de Aguinaldo Silva
Foto: TV Globo/Divulgação
O trabalho que sucede um grande sucesso é sempre carregado de pressão e expectativa. E, em 1992, a maior preocupação de Aguinaldo Silva era não deixar dúvidas de que ele poderia escrever uma história tão fascinante quanto Tieta, sua novela anterior, exibida em 1989. O resultado foi Pedra Sobre Pedra, folhetim de linguagem regional que abusou do realismo fantástico, e no qual Aguinaldo contou, novamente, com a parceria de Ricardo Linhares e Ana Maria Moretzsohn. "Como Tieta era uma adaptação de um livro do Jorge Amado, vi que naquele momento eu poderia contar a minha história de forma livre. E trabalhar com liberdade é outra coisa", confessou o autor. Com direção-geral do falecido Paulo Ubiratan, a trama se passava na fictícia cidade de Resplendor, e tinha como história central a luta política entre as famílias Pontes e Batista pelo controle da cidade. No meio dessa briga, surgiu o amor "shakespeariano" de Leonardo Pontes e Marina Batista, de Maurício Mattar e Adriana Esteves. "Cada núcleo da novela tinha importância fundamental. E juntos, formavam uma boa mistura de amor, comédia, fantasia e crítica político-social", acredita Ricardo Linhares.
Dividida em duas fases, os primeiros capítulos da novela mostram que o ódio e o amor sempre interligaram os dois clãs. Já que Pilar, mãe de Marina, de Cláudia Scher na primeira fase e Renata Sorrah posteriormente, e Murilo, pai de Leonardo, interpretado inicialmente por Nelson Baskerville e depois por Lima Duarte, viveram uma relação conflituosa no passado, que chegou ao ápice quando Pilar abandonou Murilo no altar. "Eles eram muito apaixonados. Ela foi enganada e teve essa atitude ao saber que ele tinha engravidado Elaine, sua melhor amiga. Minha personagem era uma mocinha diferente: forte e decidida", relembrou Renata, referindo-se à personagem de Luciana Braga.
Na verdade, o pai da filha de Elaine - que morre durante o parto e deixa a filha nas mãos de Pilar - é Cândido Alegria, defendido na primeira fase por Francisco Farinelli, e depois por Armando Bógus. Grande vilão da trama, Cândido tinha verdadeira fixação pelo poder e por Pilar. Bógus foi um dos grandes destaques do folhetim e, mesmo debilitado por conta de uma leucemia, ficou até o fim da novela e veio a falecer em 1993. "O Armando era um grande ator e me ensinou muito. O Cândido era apaixonado por suas vilanias e a Elaine foi pelo mesmo caminho. Mesmo sem saber que ele era o pai dela", conta Carla Marins, intérprete da ambiciosa menina que foi criada por Pilar e recebeu o nome da falecida mãe.
Na segunda fase da novela, a disputa política da região fica acirrada com Pilar querendo fazer de Marina a nova prefeita de Resplendor e a volta de Murilo à cidade - depois de anos em Brasília -, disposto a colocar Leonardo na mesma função. "O que tinha entre o Murilo e a Pilar era amor mal resolvido. As cenas com a Renata eram carregadas de tensão", destacou Lima Duarte, que voltou a interpretar o político em 1997, em um participação especial na novela A Indomada. Entre romances e disputas familiares, Aguinaldo Silva apostou em boas doses de mistério. Para isso, criou personagens clássicos, como o fotógrafo Jorge Tadeu, de Fábio Jr., que seduziu boa parte das mulheres da cidade, causando a ira dos maridos. "Foi o maior pegador que já fiz em novelas. Vivo ou morto, ele estava pronto para fazer a alegria da mulherada", ressaltou Fábio, aos risos. O personagem, mesmo depois de ser assassinado, aparecia para as mulheres que comiam uma flor - semelhante a um antúrio - que nascia de uma árvore que cresceu, misteriosamente, na praça central de Resplendor. Exatamente num canteiro onde Jorge Tadeu costumava urinar.
Ainda na linha do realismo fantástico de Dias Gomes - presente em boa parte das novelas de Aguinaldo -, Pedra Sobre Pedra apresentou Sergio Cabeleira, de Osmar Prado, um sujeito atormentado pelas noites de lua cheia. "Dentro dessa história, ele era um lobisomem, mas também o símbolo de um marginal social. Não se enquadrava. Eu pedi ao Aguinaldo a morte do personagem e a cena é pura poesia", assume Osmar, emocionado ao lembrar da sequência em que o personagem é engolido pela lua. Além disso, a produção ainda abordou a cultura cigana no núcleo protagonizado por Yago, de Humberto Martins, e sua irmã, Vida, de Luiza Tomé. Mesmo sem obter o êxito de Tieta, a mistura de referências literárias, intrigas amorosas e fantasia fez dePedra Sobre Pedra um dos maiores sucessos da emissora.